não há nada que eu vá lhe pedir
além de querer estar contigo
é ilusão pensar que existe dúvida
ou que seja preciso repetir
que toda eternidade me é falsa
quando não é ela
a nossa


ressoa no ambiente
o peso do traço
da nota
duas claves
a chuva cai
empurra a fusa
compasso seguinte
é vento
contratempo
penso em desistir
aí surges
entre nós uma pausa se agita
indecisa
hora é breve
em outra semibreve
sol lá no compasso seguinte
e a coda pra terminar




encaro por algum tempo o teto
bem entre a lâmpada e o desenho da madeira

quando criança gostava de ver as marcas na madeira
elas formavam desenhos, um deles parecia uma coruja
e do lado esquerdo do teto eu via uma espada medieval

deitada no sofá, desvio o olhar do teto e enxergo meus pés
em cima da mesa dois vasos de plantas
- e tudo mais que a semana nos permitiu juntar.

quando criança eu deitava no antigo sofá, xadrez, que doía as costas
o teto parecia inalcançável e eu me sentia pequena demais

volto meu olhar para o teto e enxergo as luzes coloridas:
efeito que dá na visão depois de olhar a lâmpada fluorescente por muito tempo.

quando criança ao ver as luzes sentia medo, pensava que era um sintoma de morte

pisco algumas vezes e as luzes começam a desaparecer.
não sou mais aquela criança, mas hoje, novamente, me senti pequena demais.

Guerra

rompe
no instante
instância
em um sopro forte
rompe a distância
o medo de cair
meus olhos imersos nos teus
para a mesma estrada
mesmo quando não te vejo
rompe-se o começo e o fim
Vejo você nos sonhos que esqueço de manhã, vejo no espelho, no céu e no sol que faz arder e no ar frio que me corta e no vento forte que sacode meus cabelos sobre o meu rosto. Os sons que ouço são os seus, você é Beethoven, é Bach e as Quatro Estações de Vivaldi, é a voz de quem me falou o que eu nem queria ouvir. Vejo teu rosto, te vejo, te espero na rua, corro na rua, corro da rua, me tranco em casa, no quarto, me tranco de ti, me perco em mim, me perco de mim. Ainda estou aqui?

Faz pouco mais de três anos que eu encontrei o Sr. Piano pela primeira vez. Ele se escondia no fim de um corredor, sobre um assoalho escuro de madeira que exalava cheiro de cera. Sr. Piano também é de madeira e tem cheiro de quem já viu muita coisa. O corredor cortado por uma escada se escondia entre os andares silenciosos do prédio de paredes cor de creme. O prédio com paredes cor de creme e porta de ferro se escondia entre os outros prédios, bem no centro da cidade.
É tanto esconde-esconde que ainda hoje me pergunto como foi que consegui encontrá-lo. O negócio talvez é não estar procurando nada.
Não lembro se foi em uma manhã ou tarde que o encontrei, mas sei que fazia frio, era um desses dias apagados em que o nublado do céu é tão nublado que acendem os postes da rua mais cedo.
Lembro do som das buzinas do lado de fora e o silêncio dos corredores no lado de dentro.
Passo apressado nas escadas, degrau após degrau, 72 degraus e quem subiu um lance a menos de escada nunca o encontrou como eu. Isso me faz pensar nas coisas que perdemos com decisões simples. Dez degraus pode ser o que nos separa de grandes tesouros.


Ela ficou esperando para contar o que sentia,
não sabia guardar pra si o que não lhe tem serventia.
Um pedaço de algo que surgiu sei lá de onde, 
que já não cabia mais nela e por isso se esconde.
Ela ficou esperando para contar o que sentia,
cruzou os braços, atou os laços,
repetiu em voz alta uma vez, mais duas ou três. 
Pensou: em que tom soaria melhor nos ouvidos dele?
Ela ficou esperando para contar o que sentia e no fim descobriu que nem ela mesma sabia.


o poema em branco

ele está na ponta da caneta que não o escreveu
e no espaço em branco que deixei

você não consegue ler
mas ele tem tudo que eu não disse
quando não sabia o que dizer
tem tudo que senti
quando o que senti foi muito pouco
e talvez seja melhor assim,
talvez você ficaria decepcionado demais.

você não consegue ler e te conto um segredo,
eu também não consigo - mas sei que está ali.
criei uma teoria: acho que as palavras não tiveram força o suficiente
para juntar-se e contarem alguma história, por isso elas só ocuparam espaço.
não podemos ler o que esse espaço nos conta, mas sabemos que foi ele que um dia 
nos uniu e que hoje nos separa.
ouço teus passos
dois em cada quatro
um compasso
dois quartos
em clave de sol e fá
desenho o compasso
uma pausa, a semi-breve
nada se cumpre
até breve
a partitura esfarela




certos silêncios duram mais

Estou falando, sou eu que estou aqui:
o piano no terceiro andar do prédio continua tocando,
meu coração que batia aos solavancos, continua batendo, 
os degraus que eu descia continuam descendo, 
e os degraus que eu subia continuam subindo.
Silêncio.
Estou aqui e penso:
não foi a pressa que nos uniu e nem ela que nos separa,
não foram minhas vertigens em escadas ou todos os passos que levaram a nada,
não foram as rodoviárias, seu desamparo ou minhas retiradas.
Foi vela que se apaga,
esvoaça, vira fumaça.
O tempo é outro, mas otelhados continuam se molhando.
vento esbarra
balança
desdobra e desmonta.
Chove.
Chove na praia 
chove no vale 
no asfalto e na estrada de barro 
chove na montanha, chove no morro.
Chove nos olhos de quem já terminou 
e agora sabe que só resta ir embora.

nesses campos, no quintal da casa da tua infância
na minha cidade e na tua cidade também 
atrás das altas vidraças e das redes da varanda 
me desenho em uma vila e não penso na partida

a mulher que não abandona a si mesma
e não consegue contar uma história completa
e estou te dizendo isso há dias:
você é meu único tesouro.
escuta aqui! a vida corre,
os trens partem sem saber do destino.

aqui dentro eu tenho os olhos dele
lá fora minha cabeça fala sozinha
somos dois trens atrasados na vida do outro
trilhos interligados antes da partida
os mesmos vagões estilhaçados, mas
acertamos a estação no fim da viagem;
com atraso proposital de ambos
construímos o que de agora em diante 
será a melhor viagem de nossas vidas

É manhã e a composição do dia é sol brando com o vento gelado que só se dá na esquina da minha rua, uma curva pequena, fechada. 
Leva mais tempo passar por ela do que leva para eu começar a sentir tua falta.
Caminho por cinco minutos. A beirada da montanha me para e mostra a cidade que acaba de despertar. Meu peito está superlotado. 
Caminho por mais cinco e estou no mundo. No meio de todo o mundo.
Perco-me no meio dessa gente, vísivel, olhos que são lupas.
Há meu amor lá fora, é fatal e ele espera por mim.

Quem te espera no fim do teu caminho?

O chá se torna frio na xícara toda vez que as palavras saem de mim, saem em correnteza.
As folhas param de cair, deixam de lado o intervalo regular que assumiram com a estação.
É a minha preferida e mais uma vez ela me acompanha cair. 
Não preciso dizer mais nada, o ar úmido que entra pela fresta da janela sem permissão é a indicação fria do presente. Acabam as palavras. Acaba o chá. Eu também já acabei. 
te escuto folhear meus poemas 

Veste teu casaco, enrola o cachecol no pescoço que agora já faz frio.
O som do silêncio lá fora entrega tudo, os pássaros se escondem.
Tu não chegará nem perto do teu destino se não apressar o passo, não se preocupe com o aceleramento dos batimentos, vai valer o esforço. 

Vamos, se apressa. 
"Um bom café pra aquecer.
Mais um dia pra aborrecer"
cantam no teu ouvido.

Tranca a porta antes de sair, mas leva o peito aberto pra rua. 
Encara o cheiro que a neblina tem e as poucas luzes que permancem acesas. 
E caminha, agora sem pressa. 
Com metade de um sorriso e sabendo para onde deve ir. 




I

Me tenho.
Faço pouco dos que dizem muito.
Aprisiono o tempo no pulso - ninguém vê que o relógio já parou faz muito.
Arranco o que possuo para depois ter o trabalho de me refazer.
Escolho não lembrar
e assim parece nunca ter acontecido.
Ando com a pressa de todos os passos
na esperança de esbarrar com você,
mas você não chega e os tropeços já são muitos
e deixam marcas, uma após outra.
Já não sinto mais nada.
Desisto.

II

Insisto.
Inspiro o ar da rodoviária enquanto meus olhos te procuram e
por mais inacreditável que possa parecer finalmente te encontro.
Tu sentas ao meu lado e espera que agora
eu te acompanhe por tempo indeterminado.
Não eras quem eu procurava,
mas naquele momento eu não sabia disso.

III

Eu coloquei culpas em você que eram minhas.
Todas as músicas que tocamos sempre pareceram
melhores sem mim, mesmo que nunca tenhas me dito isso.

IV

Um mês e eu amei partes de mim que desconhecia.

V
Corremos da Barra Sul no final da tarde,
eu tinha algumas certezas, sabia que estava atrasada.
Parecia que eu corria em direação a algum lugar.

VI

Todo passo que eu dei ao teu lado me levou
lentamente para longe de ti.

VII

Os dois andares da loja, a moldura no espelho,
o terceiro andar no prédio, a tv antiga dentro do armário
e o medo de não ser o suficiente.
O medo foi nosso maior vínculo.

VIII

Três meses e chegamos ao início
do fim.

IX

As suas mãos se agarraram aos meus braços e
deixaram marcas enquanto as minhas te empurraram.
Vivemos o pior dos meses, feito de feridas que abrimos
no outro repetidas vezes até não sobrar nada além de
um aglomerado de arrependimentos.

X

Eu quero te dizer o que foi bom
e transcrever em um poema
mesmo que pequeno
para provar pra mim
e pra você
que eu nunca fui tão ruim assim.

XI











XII

Ele caminhava olhando atentamente o chão
como se a calçada fosse arte.
Ele cruzava os braços quando não tinha mais o que dizer.
Era o que eu sabia sobre ele.
Éramos nós dois e tínhamos apenas cinco minutos.
Tínhamos cinco minutos mas eu queria que fosse a vida inteira.

XIII

O ano era novo
e eu estava vestida de um sentimento que não existia.
Não percebi que o teu abraço entre o meio-fio e a calçada
foi melhor que a queima de fogos.

XIV

Ele me trouxe a felicidade que eu não conhecia,
me deixou três fotografias e um querer
de mal caber no peito.

XV

Por seis meses chorar
foi como respirar.

XVI

Senti falta de mim.
De ser eu quando estava contigo.



XVII

Em um final de tarde de inverno
encontro no meio dos pinheiros,
no vento gelado que me corta o rosto e
nos bolsos do casaco.
Encontro ali e aqui o que deixei que levassem.
Me sinto novamente
parte por parte.
Inteira.
Encontrei-me.

XVIII

É como sempre me contaram o
amor à primeira vista.
Você o vê e sabe que vai amá-lo.
Sabe que ele tirará de ti todo o fôlego
e que mesmo com a falta de ar
você vai querer continuar amando.
Só espera agora
que ele te ame também.

XIX

Eu te amo com toda a minha força
a mesma força com que tu
diz olhando nos meus olhos
que me ama também.
E eu duvido muito que exista
felicidade maior do que essa.

XX

Amar você
é a descoberta
da melhor parte de mim.






Coincidência é conhecer em outro um pouco do que existe em ti.


Qual foi a coincidência mais bonita da tua vida?
A coincidência mais bonita da minha vida aconteceu quando eu não me conhecia.
Foi em uma noite morna -
   não estava frio, não estava quente
   eu não estava feliz, nem triste
   não soube escolher o casaco para me cobrir, naquela noite usei dois
   não quis entrar na casa de madeira, nem esperar na rua,
   a rua vazia me fazia lembrar de quão vazia estava eu
Ao entrar na casa quis fugir daquele quarto pequeno;
sem saber, foi por tua causa que continuei ali.
Esperei por longos minutos que não passavam,
troquei o canto da cama diversas vezes e
nenhum deles era confortável o suficiente.
   quis fugir mais uma vez daquele quarto
Falaram comigo quando eu não queria falar,
olharam para mim de um modo que fui obrigada a aceitar.
   quis fugir mais uma vez daquele quarto
   e mais uma vez, até tu entrar
E quem pensaria que o abrir de uma porta de um quarto pequeno, de uma velha casa de madeira, em uma rua vazia e escura, traria tanta felicidade?
Em uma noite morna a coincidência mais bonita da minha vida adentrou por uma porta
- nessa noite me conheci, reconheci, te conheci. 











Ontem me perguntaram como tenho certeza que existo. Disseram-me que posso ser só um pedaço de memória, alguma vivida em outro tempo. Assim feito uma estrela, que ilumina mesmo depois que se apaga. Ontem quando me perguntaram como tenho certeza que existo, pensei em ti.
Em quando vivia sem tu existir - só existe quem percebemos. 
Pensei no que tu fazia na noite em eu tremia atrás das cortinas do palco antes do meu primeiro recital ou em que eu pensava enquanto tu escrevia teu primeiro poema.  A gente só existe quando conta pra alguém que está ali, quando se deixa perceber. Por isso o mundo tem essa capacidade mágica, pende de um lado para o outro sem que percebamos, obrigando que uma pessoa esbarre na outra. Foi em um desses lados que esbarrei em ti.
Ontem quando me perguntaram como tenho certeza que existo, pensei em ti pois é quando te amo que sinto que existo.





Penso que quando eu for só poeira qualquer dia desses,
uma lembrança da madrugada, só um pouco de nada.
Lembrarei do teu rosto.
E tu, talvez, lembrará do meu.

Escrevo porque tenho que escrever

Queria trazer-te palavras diferentes, nunca antes escritas, nem por mim ou por qualquer um que já viveu. Queria inventar novas, tirá-las do mais íntimo de mim.
Suas palavras seriam as mais simples do mundo, fáceis de serem pronunciadas e fortemente iluminadas. 
Por hora ainda não te escrevo nenhuma palavra nova, são as mesmas dos últimos quatro meses, uma repetição incansável que escorre sobre o papel. 
Junto uma a uma para depois desdobrá-las, feito um origami.
Desperto do devaneio e não me importa mais que as palavras possam se repetir - o céu também repete sua cor e não há quem fale mal. 
Então escrevo, porque escrever é sonhar por dentro de si. 
É poder escolher com um lápis o que é fim e o que é recomeço, é descobrir que um parágrafo tem força para separar a alegria da tristeza e um verso tem espaço para armazenar um amor inteiro. Escrevo porque meu coração bate e meus olhos percebem, porque além do que sei de mim não sei de mais nada. Escrevo porque uma esquina me emociona e a distância me aprisiona. Escrevo porque sempre me esqueço em algum canto e escrever é encontrar.




O tempo não se divide e não para 
- existem provas e não há como discordar. 

Dia após dia as folhas tombaram e o inverno cresceu fora e dentro de mim, inúmeras vezes. 
Acreditava no tempo assim como no vento. Nunca o via, sentia passar. 
Enquanto os ponteiros do meu relógio voavam sentia-me aprisionar no solo,
brigando com algo por dentro que dizia que tudo era pouco.
Algo parecia querer contar a verdade, não uma que se precise provar, uma grande o 
suficiente para se acreditar; contaram-me que não se vive o tempo e ele nada importa,
que é a vida que não se divide e não para.
Ela que é nosso diálogo eterno, nossa melhor conversa.
Tempo é só tempo e quando não se vive ele se dispersa, vira acúmulo de segundos.
Os ponteiros do relógio foram caminhando mais devagar, em passos compassados e pude 
ouvir cada uma de suas batidas.
Tudo em volta tornou-se outro, não olhava mais com a pressa de quem
tem para onde ir, como se a vida estivesse esperando somente no minuto seguinte. 
Caminhei instantes dentro de uma noite fria até te encontrar e se qualquer coisa
houvesse me contado, não acreditaria no que aconteceria: contra todas as provas
o tempo se dividiu em dois, as batidas lentas do relógio pararam completamente, não havia mais direção que os ponteiros quisessem tomar, não havia mais outro lugar em que eu quisesse estar. Percebi então que o tempo para quando se consegue amar. 




Lembrei durante todos os dias
e percebi que algumas coisas não saem do lugar que ocupam.
Logo no outro dia esqueci.
Estive feliz por todo o tempo que morei em minhas próprias memórias,
mesmo quando caía todas as noites e a escuridão parecia ser preenchida
por pequenas explosões saídas de mim.
As explosões cessaram, a escuridão cansou
e tudo agora tem essa tonalidade amarelada
de foto que com o tempo descolore.
Uma ou outra coisa perdi - levaram.
Guardo comigo duas fotos e um carnaval.