TENHO MEDO DESSE NOSSO DESESPERO,
DO ANSEIO DESMEDIDO
QUE NOS QUEBRA DE DENTRO PARA FORA, DE FORA PARA DENTRO

TENHO MEDO QUE NOSSAS ALMAS SE CHOQUEM
E ESTOUREM EM FOGOS DE ARTIFíCIO PÚRPURA

TENHO MEDO QUE DEPOIS NÃO TENHAMOS MAIS CONSERTO
QUE NADA TEREMOS POR FAZER 
E SÓ NOS RESTARÁ O REFAZER, QUE SE FAZ, MAS FAZ-SE LONGE

TENHO MEDO QUE AS QUEBRAS 
DE DENTRO PARA FORA
E AS DE FORA PARA DENTRO 
QUE SÃO FEITO ONDA EM PEDRA,
REBENTEM EM MARÉ OPOSTA
DE DENTRO PARA FORA DE MIM
DE DENTRO PARA LONGE DE TI

ESSE NOSSO DESESPERO PODE NOS LEVAR BEM LONGE, 
OU PARA BEM LONGE UM DO OUTRO.




You should have known that I'll suck at goodbyes,
the moment I told you
that I am currently reading three books.
Simultaneously.

Senha dois, por favor.

  Hoje pela manhã enquanto enfrentava um dos maiores temores da humanidade atual - a fila -  troquei algumas poucas, mas simpáticas palavras com um senhor de cabelos brancos, postura arqueada e mãos marcadas. Infelizmente não tivemos tempo de nos apresentar pois logo sua senha foi chamada, então só o que sei é que a dor que ele sente nas costas tem melhorado muito e que depois de marcar sua consulta teria que apressar o passo para não perder o ônibus.
  Depois de alguns minutos ao sair da sala, me dirigiu um aceno suave. Observei-o partir com seus passos incertos, fui com ele até onde meus olhos alcançavam. Antes de atravessar a porta em direção a rua ele parou por poucos segundos, ajeitou a camisa de flanela por dentro da calça social e aí então, partiu. Foi ali naquele exato momento, que todo o peso daquela vida caiu sobre mim.
Percebi que as marcas em suas mãos não eram só do trabalho pesado de uma vida inteira, que as costas arqueadas não se deviam somente as dores; ali estava o peso de muitas tristezas e grandes amores, as marcas nas mãos eram das centenas de carinhos trocados e também daquela mão amiga apertada em uma esquina qualquer a quarenta e tantos anos atrás. Entende?
Cada passo incerto daquele homem carrega tantas memórias que seria impossível de contar; seus ouvidos carregam a voz do Sinatra e a do homem que narrava o jogo na rádio. Seus olhos ao percorrerem as vitrines vêem chapéus e ternos cor de pêssego. Tem também o canto dos olhos dele que se observar bem, é possível enxergar pequenos sorrisos escondidos entre as rugas. Sorrisos que foram 'sorridos' com quem talvez nem está mais aqui. É como se a vida fosse uma grande mala, que cada um de nós vai enchendo enquanto o tempo corre.
   Espero que um dia, daqui quarenta e tantos anos, algum jovem olhe para mim e perceba o mesmo. Espero fazer uma mala de boas histórias, bonitas lembranças e sussurros de The Way You Look Tonight - porque Sinatra a gente não tira da mala nunca. Quero iluminar a vida de outra pessoa com a minha, como esse senhor fez comigo.

Durante o resto do dia, a única coisa em que consegui pensar foi se aquele homem conseguiu com todo aquele peso bonito de memórias apressar o passo o suficiente pra não perder seu ônibus.
Espero que sim.

Parabéns pra mim

Tenho me sentido cheia de vazio.
Mesmo quando rodeada de sorrisos,
cantos agúdos de pássaros pela manhã,
acordes tocados em baixo tom no violão
ou de bemóis desafinados do piano.
Mesmo que tudo isso ainda me atinja bem no centro do peito. E atinge. E acerta.
Nada mais parece conseguir permear.
Lembro como era me sentir astro no céu. Sorrio por dentro, é como se fosse algo mais distante que outra vida; Sinto falta da sensação de tornar-me completa com o que quer que a vida me oferecesse.
Mas nos últimos tempos a única coisa que tem conseguido morada por aqui é essa imensa vontade de apenas: não ser. Não ser mais nada.

Moonrise

Percebi dia desses a existência de uma tristeza que é de simplicidade estrondosa. Pouco rebuscada, hesita por qualquer lugar e vez ou outra procura - e o pior, encontra alguém que a receba. Ela não é mais que um anseio por profundidade. A mesma que evita que ao saltar no outro acabes batendo com a cabeça nas pedras do fundo.
Saltos em pessoas rasas podem causar danos irreparáveis, pois elas te tiram o direito do mergulho com teu escafandro, a borboleta e o que quer mais que venha contigo. Não deves esconder tuas quinquilharias pra caber em alguém. E ninguém precisa se ver obrigado a sustentar tudo aquilo que tens pra oferecer. Ela é rasa demais para ti. Para outro talvez não seja.
Culpa não tem espaço aqui, não te cabe tê-la. E não é erro teu também, ter sentimentos que dia após dia escalam um Everest interior. Isso é apenas um pouco daquilo a que somos submetidos desde que abrimos os olhos pela primeira vez: viver.
Viver é experienciar e perceber que muito normalmente tudo vai acontecer de maneira totalmente oposta a que você gostaria. Aos poucos aprendes que não se deve exigir de alguém a entrega de um espaço para que tu caiba, é necessário encontrar alguém que já o tenha do exato tamanho, se tiver muita sorte quem sabe, talvez ele seja até um pouco maior e vocês poderão preencher juntos o que antes era só vazio.

Sobre o sentir.

"Seja lá o que você estiver sentindo agora, há uma certeza matemática que existe alguém mais, sentindo exatamente a mesma coisa" 

Isso não é para dizer que você não é especial. Isso é para dizer "graças a Deus que você não é especial". Isolação não é segurança. É morte. Se ninguém sabe que você está vivo, você não está.
Se uma árvore cai na floresta e não há ninguém para escutar, ela faz um som. Mas então aquele som vai embora. Eu não estou dizendo para encontrar o significado da vida nas pessoas. Eu estou dizendo que as outras pessoas são a vida a qual você provê significado, percebe?
Nós estamos enganados quando pensamos "eu penso, logo existo", quanto mais dizemos mais soa como "eu penso, logo eu serei". É como andar em círculos, não sair de uma rotatória, esperando que o plano de fundo mude. É como ser uma moeda que só compra mais moedas. 
Então, por favor, se você quiser continuar existindo, faça alguma coisa. Qualquer que seja. Aprenda a fazer nuvens usando a sua respiração. Corra descalço em dias de chuva. Convide alguém para andar com você na sua rua preferida. Se não tem, escolha uma agora. Faça sua coleção de preferências. A rua que fica mais bonita no inverno. Árvore preferida. Tenha na memória uma coleção de sorrisos. De perigos enfrentados. Encontre. Ame o que ninguém percebe. Ame como as crianças. Ame com a mesma força com que você odeia a si mesmo às vezes. Ame como as estações, que mudam, mudam, mudam, mudam mas acabam retornando. Esse é o propósito da vida.



Releitura, James Thurber; Neil Hilborn.
Sempre senti que algo incrível me esperaria logo na próxima esquina, fui despertada assim por meus pais, eles me criaram para sorrisos, gramados sempre verdes e balões de coração a gás distribuídos nas esquinas.
Só não esperava que as esquinas começariam com o tempo a ficar mais espaçadas, enquanto os balões escapariam dos laços em direção ao céu. Tudo foi exatamente como eu nunca esperei.
E depois de todas e tantas emoções, as de que mais sinto mais falta são das não sentidas.
Sinto ela todos os dias, grandiosa, estridente, mutiladora saudade de sentir.
Não alguém, mas algo.
Que se sente e é sentindo de volta.


Querido.

Não minto, querido, quando digo que ainda te quero bem.
Depois de todos os cafés e sinaleiras fechadas,
dos dias cheios e dos dias vazios,
depois de todo o tempo, ainda te quero bem.
Uma semana da tua partida, percebi entre a dobradiça da porta do armário e a porcelana da xícara de natal, como que esquecido de propósito, o sentimento demasiado, vasto.
Era o meu amor diminuto; feito lampejo, relâmpago,
que cai quinhentas e oitenta e cinco vezes no mesmo lugar,
quinhentas e oitenta e cinco vezes no mesmo olhar
e na mesma mão por sobre o ombro.
Entre um suspiro e o seguinte me veio teu tropeço,
aquele que acrescentou milhões de pontos ao teu charme paradoxal.


A memória é mesmo então uma ilha de edição.
Mas onde se armazena a cor e o ruído de cada instante?
Como se guarda o cheiro do abraço amarrotado?
Ninguém nos ensina
e resta-nos então, respirar o irrespirável.
Relembrar o inevitável.
Relembrar hoje, amanhã e outras quinhentas e oitenta e cinco vezes, porque tem sentimento que é assim, não dá pra abreviar.

Tua companhia foi melhor que a queima de fogos no ano novo.