enquanto as nuvens recuavam sem perguntar se eu gostaria que chovesse

  Cansei-me da procura por paisagens descabidas, foram muitas, mas todas pareciam especiais. Procurava por todos os lados a casa com a melhor vista pela janela da cozinha, "coisa estranha de se procurar", disseram-me. As pessoas procuram quartos espaçosos, grandes jardins ou um banheiro a mais, eu só queria saber da vista da cozinha. Enquanto procurava os anos passavam e a lista de moradas aumentava, a seguinte sempre parecia ser a derradeira; morei por dois anos em uma casa com portão de ferro, ela ocupava o fim de uma larga rua de calçamento, o jardim era grande e eu até pude criar um cachorro. Logo depois vivi por três meses em um apartamento pequeno, bem no coração de uma cidade movimentada, tudo dentro dele era de um tom amarelo claro e eu sempre tropeçava no tapete da sala. Prédios foram construídos, ventanias derrubaram até a mais alta das árvores, tudo sempre acabava mudando de lugar e nenhuma vista permaneceu por muito tempo - só a do apartamento de cortinas brancas, nele a janela da cozinha deixava entrar o cheiro do mar e por conta disso eu havia decidido ficar, mas arrancaram-me à força de lá sem muitas explicações ou tempo para juntar o que me pertencia. 
Após perdê-la visitei por alguns meses os melhores e os piores lugares que eu poderia conhecer e quando o inverno já começava a deixar seus últimos sinais nos arredores da cidade me informaram sobre uma casa vazia perto da rodovia, como dava para a saída da cidade não vi problema, se ela fosse ruim pelo menos eu poderia partir imediatamente. Olhei-me por um instante no reflexo de uma vitrine qualquer e compreendi que aquela era minha última chance de acertar a morada. Fui até ela com o pouco que me restava nas mãos, encarei-a por alguns segundos ainda do outro lado da rua e senti que de algum modo ela também me olhava, esperando que eu entrasse. Atravessei a rua com os passos firmes e rápidos. A porta de entrada não rangia, a fechadura abriu fácil. Entrei inteira, de uma só vez e segurando a maçaneta com força. Da janela, uma vista tranquila. Era minha. 
tu em verde e dourado.

ocupa metade da página 
tua partida.

eu do outro lado e ao teu lado
pé em púrpura.

hoje me calo
só penso nas palavras que escorreram, meus arrependimentos
e na dor visível de todos os poemas que escrevi.


Eu seria triste de ter que voltar
Pra lugar ou outro longe de ti
Eu seria triste de ter que voltar
Pra espaço ou instante que desconheci

Poder controlar as ações e o descaso
Não tenho esse querer
Nenhum outro embaraço

Eu seria triste de ter que voltar
Pra um tempo distante de ti
Eu seria triste de ter que voltar
sabendo que por hora, então 
lhe perdi. 
não há nada que eu vá lhe pedir
além de querer estar contigo
é ilusão pensar que existe dúvida
ou que seja preciso repetir
que toda eternidade me é falsa
quando não é ela
a nossa


ressoa no ambiente
o peso do traço
da nota
duas claves
a chuva cai
empurra a fusa
compasso seguinte
é vento
contratempo
penso em desistir
aí surges
entre nós uma pausa se agita
indecisa
hora é breve
em outra semibreve
sol lá no compasso seguinte
e a coda pra terminar




encaro por algum tempo o teto
bem entre a lâmpada e o desenho da madeira

quando criança gostava de ver as marcas na madeira
elas formavam desenhos, um deles parecia uma coruja
e do lado esquerdo do teto eu via uma espada medieval

deitada no sofá, desvio o olhar do teto e enxergo meus pés
em cima da mesa dois vasos de plantas
- e tudo mais que a semana nos permitiu juntar.

quando criança eu deitava no antigo sofá, xadrez, que doía as costas
o teto parecia inalcançável e eu me sentia pequena demais

volto meu olhar para o teto e enxergo as luzes coloridas:
efeito que dá na visão depois de olhar a lâmpada fluorescente por muito tempo.

quando criança ao ver as luzes sentia medo, pensava que era um sintoma de morte

pisco algumas vezes e as luzes começam a desaparecer.
não sou mais aquela criança, mas hoje, novamente, me senti pequena demais.

Guerra

rompe
no instante
instância
em um sopro forte
rompe a distância
o medo de cair
meus olhos imersos nos teus
para a mesma estrada
mesmo quando não te vejo
rompe-se o começo e o fim