Sempre senti que algo incrível me esperaria logo na próxima esquina, fui despertada assim por meus pais, eles me criaram para sorrisos, gramados sempre verdes e balões de coração a gás distribuídos nas esquinas.
Só não esperava que as esquinas começariam com o tempo a ficar mais espaçadas, enquanto os balões escapariam dos laços em direção ao céu. Tudo foi exatamente como eu nunca esperei.
E depois de todas e tantas emoções, as de que mais sinto mais falta são das não sentidas.
Sinto ela todos os dias, grandiosa, estridente, mutiladora saudade de sentir.
Não alguém, mas algo.
Que se sente e é sentindo de volta.


Querido.

Não minto, querido, quando digo que ainda te quero bem.
Depois de todos os cafés e sinaleiras fechadas,
dos dias cheios e dos dias vazios,
depois de todo o tempo, ainda te quero bem.
Uma semana da tua partida, percebi entre a dobradiça da porta do armário e a porcelana da xícara de natal, como que esquecido de propósito, o sentimento demasiado, vasto.
Era o meu amor diminuto; feito lampejo, relâmpago,
que cai quinhentas e oitenta e cinco vezes no mesmo lugar,
quinhentas e oitenta e cinco vezes no mesmo olhar
e na mesma mão por sobre o ombro.
Entre um suspiro e o seguinte me veio teu tropeço,
aquele que acrescentou milhões de pontos ao teu charme paradoxal.


A memória é mesmo então uma ilha de edição.
Mas onde se armazena a cor e o ruído de cada instante?
Como se guarda o cheiro do abraço amarrotado?
Ninguém nos ensina
e resta-nos então, respirar o irrespirável.
Relembrar o inevitável.
Relembrar hoje, amanhã e outras quinhentas e oitenta e cinco vezes, porque tem sentimento que é assim, não dá pra abreviar.

Tua companhia foi melhor que a queima de fogos no ano novo.