Escrevo porque tenho que escrever

Queria trazer-te palavras diferentes, nunca antes escritas, nem por mim ou por qualquer um que já viveu. Queria inventar novas, tirá-las do mais íntimo de mim.
Suas palavras seriam as mais simples do mundo, fáceis de serem pronunciadas e fortemente iluminadas. 
Por hora ainda não te escrevo nenhuma palavra nova, são as mesmas dos últimos quatro meses, uma repetição incansável que escorre sobre o papel. 
Junto uma a uma para depois desdobrá-las, feito um origami.
Desperto do devaneio e não me importa mais que as palavras possam se repetir - o céu também repete sua cor e não há quem fale mal. 
Então escrevo, porque escrever é sonhar por dentro de si. 
É poder escolher com um lápis o que é fim e o que é recomeço, é descobrir que um parágrafo tem força para separar a alegria da tristeza e um verso tem espaço para armazenar um amor inteiro. Escrevo porque meu coração bate e meus olhos percebem, porque além do que sei de mim não sei de mais nada. Escrevo porque uma esquina me emociona e a distância me aprisiona. Escrevo porque sempre me esqueço em algum canto e escrever é encontrar.




O tempo não se divide e não para 
- existem provas e não há como discordar. 

Dia após dia as folhas tombaram e o inverno cresceu fora e dentro de mim, inúmeras vezes. 
Acreditava no tempo assim como no vento. Nunca o via, sentia passar. 
Enquanto os ponteiros do meu relógio voavam sentia-me aprisionar no solo,
brigando com algo por dentro que dizia que tudo era pouco.
Algo parecia querer contar a verdade, não uma que se precise provar, uma grande o 
suficiente para se acreditar; contaram-me que não se vive o tempo e ele nada importa,
que é a vida que não se divide e não para.
Ela que é nosso diálogo eterno, nossa melhor conversa.
Tempo é só tempo e quando não se vive ele se dispersa, vira acúmulo de segundos.
Os ponteiros do relógio foram caminhando mais devagar, em passos compassados e pude 
ouvir cada uma de suas batidas.
Tudo em volta tornou-se outro, não olhava mais com a pressa de quem
tem para onde ir, como se a vida estivesse esperando somente no minuto seguinte. 
Caminhei instantes dentro de uma noite fria até te encontrar e se qualquer coisa
houvesse me contado, não acreditaria no que aconteceria: contra todas as provas
o tempo se dividiu em dois, as batidas lentas do relógio pararam completamente, não havia mais direção que os ponteiros quisessem tomar, não havia mais outro lugar em que eu quisesse estar. Percebi então que o tempo para quando se consegue amar. 




Lembrei durante todos os dias
e percebi que algumas coisas não saem do lugar que ocupam.
Logo no outro dia esqueci.
Estive feliz por todo o tempo que morei em minhas próprias memórias,
mesmo quando caía todas as noites e a escuridão parecia ser preenchida
por pequenas explosões saídas de mim.
As explosões cessaram, a escuridão cansou
e tudo agora tem essa tonalidade amarelada
de foto que com o tempo descolore.
Uma ou outra coisa perdi - levaram.
Guardo comigo duas fotos e um carnaval.